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19 de Abril de 2024
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    ESPECIAL: O direito de morar bem

    Toda vez que o trabalhador brasileiro recebe o contracheque do mês, ele tem conhecimento de que o salário líquido foi decrescido de, pelo menos, três descontos: o do imposto de renda, o do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o do FGTS. Ele também sabe que o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço é uma espécie de poupança que poderá ser usada numa eventual demissão sem justa causa. O que nem todos sabem é que o FGTS também pode ser sacado em diversas outras situações, muitas delas sem vínculo trabalhista direto. Por lei, há 17 hipóteses de liberação do saldo. Além da demissão, da aposentadoria e da morte do trabalhador – situações principais –, há três hipóteses relacionadas a um direito social de todo cidadão: a moradia.

    Esse conjunto de normas está descrito no artigo 20 da Lei 8.036/90, que disciplina a utilização do fundo de garantia. O texto prevê o saque para aquisição de imóvel pronto ou em construção, liquidação e amortização de saldo devedor e redução das prestações de financiamento da casa própria. Somente em 2013, os saques relacionados à moradia somaram R$ 9,8 bilhões, respondendo por 13% de todas as retiradas, segundo demonstrativo anual divulgado em julho último pela Caixa Econômica Federal (CEF), responsável pela manutenção do fundo. O valor foi 16,71% maior que o registrado no ano anterior.

    A ampliação do acesso à casa própria por meio de recursos da conta vinculada ao FGTS tem aumentado, na mesma medida, as demandas judiciais decorrentes da relação entre o trabalhador e a instituição bancária. De janeiro a agosto deste ano, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) julgou uma dezena de recursos baseados em negativas da Caixa em liberar os valores. Os três mais recentes, com decisões datadas de junho a agosto, dizem respeito ao uso do saldo para a quitação de consórcio imobiliário, para a conclusão da construção de imóvel e para a aquisição de lote urbano para moradia. Embora não haja previsão legal específica para os dois últimos casos, em todos eles a decisão do Tribunal foi favorável ao trabalhador.

    A explicação é simples. Nas três situações, o objetivo final do pedido foi um só: a moradia própria. “E é exatamente esse o fim social da lei”, defende o desembargador federal Jirair Aram Meguerian, relator de dois dos três processos. Em um dos casos, a 6ª Turma do Tribunal concedeu a uma moradora de Aparecida de Goiânia/GO o direito de quitar parcelas do consórcio imobiliário por meio do FGTS. Essa prerrogativa está prevista no artigo 20 da Lei 8.036/90, mas a falta de apresentação de documentos no prazo estipulado pelo banco havia impedido a liberação dos recursos.

    No outro caso analisado pelo relator e confirmado pela 6ª Turma, um casal da Bahia buscou, na Justiça Federal, autorização para aplicar o dinheiro do FGTS no término da construção da casa própria. E conseguiu. A recusa da Caixa se deu em virtude da ausência de norma legal que autorizasse o saque e, também, da boa condição financeira do casal: o marido é engenheiro e servidor público federal, e a esposa atua como técnica de segurança do trabalho. “Os autores não se incluem na camada social à qual é viabilizado o financiamento de forma acessível e barata propiciado pelo FGTS”, alegou a instituição bancária.

    Ao apreciar o recurso, no entanto, o relator afastou o argumento e explicou que a expressão “aquisição de moradia” não pode limitar-se à compra de imóvel pronto e acabado. “Quem constrói em terreno próprio, com seus recursos e para seu uso, está, também, adquirindo moradia própria”, mencionou Jirair Meguerian, ao citar decisão anterior do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Tanto o STJ como o TRF da 1ª Região têm, reiteradamente, ido além da simples leitura da lei na análise de casos relacionados ao FGTS. “Os tribunais vêm dando elasticidade à regra, de forma a liberar [os valores] em situações similares”, pontua o magistrado.

    A jurisprudência do STJ admite a utilização do saldo do fundo de garantia para aquisição, construção ou reforma da casa própria, mesmo nos financiamentos fora do Sistema Financeiro da Habitação (SFH). Esse entendimento foi seguido, também, pelo relator do terceiro processo no TRF1, desembargador federal Souza Prudente. O recurso, julgado pela 5ª Turma, refere-se à compra de um lote para moradia própria. A Caixa rejeitou a liberação do saldo do FGTS por entender que sua utilização só seria viável “para aquisição de imóvel residencial urbano concluído”.

    A parte autora do processo, contudo, uma mãe de família de Jequitinhonha, em Minas Gerais, comprovou que já havia construído no terreno e que lá morava e pretendia continuar morando com os filhos. Não restou outra medida ao relator senão a manutenção da concessão do pedido, já confirmado em primeira instância: “embora a impetrante pretenda utilizar o FGTS para compra de terreno, esta aquisição resultará em lhe garantir a moradia na qual já reside com seus familiares”.

    REQUISITOS

    Para o coordenador jurídico de contrato habitacional da Caixa Econômica Federal, Mauro Rocha, o fato de a família já residir no imóvel foi determinante na decisão da 5ª Turma. O especialista em Direito Imobiliário reconhece que inúmeras situações não previstas em lei acabam aceitas pelo Judiciário, por interpretação ou extensão do texto legal. O que é comum a todos os casos, entretanto, é o cumprimento, pelos autores dos processos, das condições estipuladas pela lei. Quem pretende sacar o FGTS para moradia não pode ter outro imóvel na mesma cidade ou região metropolitana, nem financiamento imobiliário ativo, e precisa comprovar tempo de serviço superior a três anos sob regime do FGTS. “O trabalhador pode adquirir quantos imóveis quiser, desde que, no momento da aquisição, ele cumpra todos os requisitos”, explica Mauro Rocha.

    Segundo o especialista, uma das maiores discussões sobre a liberação do FGTS, no âmbito da Caixa, está no trecho da lei que condiciona o saque do fundo à sua utilização, unicamente, em imóvel para moradia. Nesse ponto, surgiram dúvidas quanto ao conceito da expressão “moradia própria”. O Conselho Curador da Caixa – colegiado que disciplina normas relacionadas ao FGTS – emitiu, em 1966, resolução que define o termo como o local onde o trabalhador instalará sua residência e seu domicílio com ânimo definitivo. “Aí começa a confusão: o que seria ânimo definitivo?”, comenta o representante da Caixa. “Não se pode esperar que o trabalhador passe a vida inteira naquele imóvel”, completa. A solução encontrada pelo Conselho foi a de reconhecer a intenção do trabalhador de morar no imóvel no momento em que ele assina o contrato com a Caixa. “Assim, não há prazo determinado para que se termine esse ânimo definitivo. Espera-se que ele resida ali por um bom tempo”.

    Além da intenção de adquirir o imóvel para moradia própria, é preciso alguns cuidados para garantir o sucesso da operação de resgate do FGTS. O primeiro passo, para o comprador, é se certificar de que não há nenhum outro bem impeditivo, ou seja, que ele não possui outro imóvel na região. Preparar toda a documentação também é essencial.

    Os documentos pessoais e a declaração do imposto de renda são tão importantes quanto os documentos do imóvel a ser adquirido e, também, os do vendedor. “Ele tem que ter uma situação cadastral razoavelmente regular”, alerta Mauro Rocha. Esse cuidado previne uma eventual anulação judicial da negociação, em decorrência de pedidos de credores ou membros da família que tenham direito ao bem.

    Com relação ao imóvel a ser adquirido com recursos do FGTS, este não pode ter valor acima do limite determinado pelo Conselho Monetário Nacional – de R$ 750 mil para SP, RJ, MG e DF, e de R$ 650 mil para o restante do País. No âmbito do SFH, o imóvel deve ser avaliado em até R$ 190 mil e a renda do comprador não pode ultrapassar os R$ 5.400,00. Além disso, a matrícula deve estar atualizada no registro de imóveis, com averbação de todas as alterações ocorridas ao longo do tempo. Com tudo regular, a liberação do FGTS ocorre em apenas cinco dias após o pedido. Decorrido o prazo, restará, ao trabalhador, a satisfação de residir no bem que poderá chamar de “seu”.

    Ricardo Cassiano

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/especial-o-direito-de-morar-bem/195423329

    1 Comentário

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    Bom dia, estou certo do equivoco cometido no inicio deste texto quando se diz:
    "Toda vez que o trabalhador brasileiro recebe o contracheque do mês, ele tem conhecimento de que o salário líquido foi decrescido de, pelo menos, três descontos: o do imposto de renda, o do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o do FGTS"

    Porque se não é de Vosso conhecimento, então não publique tal sandice porque o FGTS não é descontado do empregado, o mesmo é pago pelo EMPREGADOR. continuar lendo